Ao mesmo tempo em que chama a atenção para o caráter de reprodução das relações sociais de uma determinada época, Lane (1981a, 1981b, 1984b) indica a contraditoriedade dessas relações quando aponta a possibilidade de os indivíduos, mesmo vivendo em uma sociedade capitalista, se agruparem para realizarem outras satisfações e por outros motivos que não o trabalho remunerado ou pelo fato de fazer parte de um grupo compulsoriamente, como é o caso das diferentes instituições responsáveis pela sociabilidade das pessoas (família e escola, por exemplo). A Psicologia Social Comunitária representa essa possibilidade, ou seja, as atividades comunitárias devem visar a educação e o desenvolvimento da consciência social de grupos de convivência os mais diversos:
Desenvolver relações sociais que se efetivem através da comunicação e cooperação entre pessoas, relações onde não haja dominação de uns sobre outros . . . desde que estes se identifiquem por necessidades comuns a serem satisfeitas, através de atividades planejadas em conjunto e que impliquem ações de vários indivíduos . . . (Lane, 1981a, p. 68).
Isoladamente, a pessoa identifica o seu problema como exclusivo, como necessidade individual. No entanto, ao se reunirem, os indivíduos percebem que os problemas, muitas vezes semelhantes, são decorrentes das próprias condições sociais de vida e que a organização coletiva, diferente da ação individual isolada, pode propiciar a resolução de problemas ou a satisfação de necessidades comuns (Lane, 1981a). Neste sentido, "cada grupo desenvolve um processo próprio, em função das suas condições reais de vida e das características peculiares dos indivíduos envolvidos (p. 70)" .
Deste modo, Lane (1981b, 1984b, 1996) traz para a discussão o papel determinante do processo grupal para a superação do individualismo profundamente arraigado, superação necessária para a realização de um trabalho comunitário no sentido definido anteriormente, que busque o desenvolvimento da consciência social e da autonomia dos indivíduos.
As diversas experiências comunitárias vêm apontando para a importância do grupo como condição [ itálicos nossos] , por um lado, para o conhecimento da realidade comum, para a auto-reflexão e, por outro, para a ação conjunta e organizada. Em outros termos, estamos falando da consciência e da atividade categorias fundamentais do psiquismo humano . . .Sintetizando, o psicólogo na comunidade trabalha fundamentalmente com a linguagem e representações, com relações grupais [ itálicos nossos] vínculo essencial entre o indivíduo e a sociedade e com as emoções e afetos próprios da subjetividade, para exercer sua ação ao nível da consciência, da atividade e da identidade dos indivíduos que irão, algum dia, viver em verdadeira comunidade. (Lane, 1996, p. 31).
Nesta perspectiva, Lane aponta para o fato de que as emoções e os afetos também são mediações fundamentais para o desenvolvimento individual e social e para a práxis da Psicologia Social Comunitária (1995, 1996, 2000b; Lane, apud por Sawaia, 2002).
Nas primeiras experiências de análise do processo grupal Lane identifica contradições entre o discurso e a prática social dos indivíduos em grupo, principalmente no que diz respeito às relações de dominação, reproduzindo no âmbito do pequeno grupo, as relações de poder presentes na sociedade. Lane (1981b) questionava o papel de "líder" no grupo, afirmando que o indivíduo que assumia esse papel podia, "no nível das determinações concretas, exercer uma ação de dominação e ser vivido no nível das representações ideológicas como mero 'coordenador', que só quer o bem do grupo e preservar a liberdade de todos" (p. 101). Constatava, então, que grupos e/ou seus integrantes, denominados por seus membros como democráticos, mostravam-se, muitas vezes, autoritários. Restringiam ou impossibilitavam a livre expressão do pensamento e dos sentimentos (Lane, 1981b, 1984b, 1989)
A partir da publicação do livro Sistema, grupo y poder de Martín-Baró (1989), seu companheiro de luta na construção de uma Psicologia Social Crítica e por uma sociedade justa, Lane incorpora em seus estudos e práticas as reflexões desse autor, principalmente as discussões sobre poder nos pequenos grupos (Lane, 1998; Lane & Freitas, 1997).
Com o poder que temos, podemos humilhar ou valorizar o outro. Podemos impedir o seu crescimento como ser humano, ou contribuir para que tal aconteça. Sabendo como exercê-lo também saberemos respeitar o poder dos outros. Nossos estudos indicam ser este o caminho para a atuação transformadora dos grupos sociais (Lane, 1998, p. 51).
Neste mesmo período, a autora explicita em seus textos a importância da atividade como fator decisivo para o início da formação grupal: "Para se falar em atividade, o grupo deve produzir algo que deve, necessariamente, ter um significado social, interna e externamente ao próprio grupo" (Lane & Freitas, 1997, p. 306). Em uma relação de interdependência, atividade e consciência são categorias fundamentais para a compreensão do processo grupal.
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